Estávamos em um destes cafés com ar inglês em que sempre costumávamos ir
desde o início do nosso relacionamento. Mas agora era diferente. O café era o
mesmo, as mesas dispostas nos lugares de costume, também, as luzes estavam no
mesmo lugar, o dono era aquele senhorzinho de bigode engraçado que sempre
apelidávamos de "Salvador Dali”, o que mudou foi o clima entre nós. Lá
fora fazia frio e dentro mais ainda. A culpa não era do ar condicionado super moderno,
que pseudo-Dali acabara de adquirir, o frio vinha de nós, mais
precisamente, de você.
No Jukebox antigo, alguém depositou algumas moedas e uma música com uma
melodia harmônica, com guitarras elétricas e barulho de pratos começou a tocar.
A letra dizia “She loves you, yeah, yeah, yeah". Você sacou a banda,
olhou para mim, deu aquele sorriso amarelo e voltou à atenção para o seu
maldito celular. Afinal, já dançamos muito ao som desta música do Beatles nos
salões de rock, onde bancávamos Johnny Cash e June Carter e todos abriam a roda
para nosso show.
Estes tempos eram bons. Após rodopiar, cair e beber uma dose a mais de
tequila, sempre seguíamos para seu apartamento ou para o meu, e quem sabe para
um motel barato mais próximo, mas que correspondesse com nossos desejos, que
naquelas horas eram o de apenas ficarmos juntos.
Fiquei perdida entre as memórias enquanto no Jukebox a música ainda ecoava.
Você começou a chamar meu nome e eu demorei alguns segundos para corresponder.
Perguntou-me se eu ainda ficaria mais algum tempo no ambiente ou aceitaria sua
carona até o metrô, pois, precisava voltar para o escritório e resolver algumas
pendências na área da contabilidade, a qual eu não entendo bolufas.
Assenti com a cabeça e você me correspondeu com um beijo seco entre o lábio
superior e uma parte do meu nariz, que se alguém cronometrasse não daria mais
de 0,5 centésimos de segundo. Olhei de uma forma desacreditada e engoli seco
aquele beijo misturado com uma vontade de chorar. Não chorei, seria demais para
mim, para você, para nós.
Voltei os olhos para meu café que nesta altura já estava se equiparando ao
gelo do seu beijo. Você proferiu mais algumas palavras como “Vou deixar
dinheiro no caixa, não se preocupe, ligo à noite", eu nada disse. Apenas
olhei para aqueles olhos castanhos escuros que naquele momento pareciam ter se
personificado em dois monstros que me comiam sem ao menos me mastigar.
Curvei os meus para que a dor não fosse tão intensa e você se foi. A sua
saída daquele ambiente seguiu com a mesma música que nesta hora, para a sua
pessoa, não fazia mais importância se "She loves you and you know that
can't be bad".
Eu continuei mais alguns instantes, enquanto no Juke começava a tocar outra
música dos britânicos, mas agora, ela se encaixava em mim e não em você. Eu
pensei no ontem já que hoje "All my troubles seemed so far away
now it looks as though they're here to stay". Levantei-me e segui até
a estação de metrô mais próxima, sabendo muito bem que dificilmente seríamos
tão imbatíveis e apaixonados como Yoko Ono e John Lennon.
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